Em tempos que já lá vão, toda a região Figueirense esteve, durante quase quinhentos anos, sob o domínio muçulmano. Na tradição popular, divulgada ao longo dos séculos pelas histórias contadas aos serões, nasceram as mirabolantes façanhas das “mouras encantadas“. Diziam, então, que os exércitos cristãos ao reconquistarem a zona, obrigavam as famílias árabes a deslocarem-se para o sul, deixando as casas, algumas delas apalaçadas e muitos tesouros guardados por belas raparigas que foram enfeitiçadas para escaparem à morte.
Segundo contam, no Vale do Bispo, em Vilar de Amargo, havia um tanque de água onde diziam viver uma moura encantada, de rara beleza. Quem tivesse a sorte de quebrar-lhe o encanto, tê-la-ia por esposa e ficaria com a sua fortuna. Na madrugada de S. João, muitos se tinham deslocado ao local, no intuito de desfazer o feitiço que acorrentava a pobre moça a tão cruel destino, mas nenhum conseguiria descobrir a maneira de o fazer.
Numa manhã de S. João, quando o dia mal começava a romper, a bela moura, depois de ter lavado a roupa, pô-la a secar ao Sol. Um homem da Freixeda do Torrão, que por ali passava com o gado, parou junto à fonte para dar água às vacas e, ao ver os panos estendidos, pegou neles e atirou-os à água.
Nesse instante, ouviu-se uma voz angustiada que bradou:
– Ai, maldito que me dobras-te o encanto!
O homem, surpreendido e receoso, viu uma cobra com grande cabeleira negra que corria na sua direção. A moura encantada, pois era aquela forma habitual com que vivia junto à fonte que a aprisionava, não conseguiu apanhar o homem que fugia, sem olhar para trás.
A cobra, enraivecida, regressou ao local e, dirigindo-se para junto das vacas que sossegadamente bebiam água da fonte, deu-lhes fortes chicotadas com o rabo, tirando-lhes a pele toda.