Era uma vez um jovem cabreiro que trabalhava para o Senhor de Castelo Rodrigo, guardando umas cabrinhas no Colmeal das Rolas.
Aconteceu a este cabreiro sonhar três vezes a mesma coisa – uma voz que lhe dizia:
– “Vai à fonte de Belém
Lá encontrarás o teu bem”.
Decidido a enriquecer, o cabreiro pediu ao patrão para se ausentar e foi-se até à fonte de Belém, na Terra Santa. Chegou lá e esperou, procurou, perguntou… mas não encontrou nada que lhe indicasse onde estava o seu bem. Ao terceiro dia de espera, passou por ele um homem que lhe perguntou:
– o que estás aqui a fazer?
– Olhe, já há três dias que aqui estou sentado sem comer; tive um sonho que me disse que viesse à Fonte de Belém pois aqui encontraria o meu bem. E até agora nada, não vi nem bem nem mal!
– Ó homem, não te fies em sonhos!, disse o outro. Já eu sonhei que fosse ao Colmeal das Rolas que lá estava a minha riqueza. Dentro de um curral de cabras há uma cabrinha branca que todos os dias está em cima de uma laje sempre coberta de orvalho, no sítio mais alto do curral. Ora, debaixo dessa laje está uma cabra e um cabrito todos em oiro reluzente! Ora se eu nem sei onde é o Colmeal das Rolas, como poderei encontrar o meu tesouro?!
– Não me diga! – disse o cabreiro, tentando disfarçar a sua alegria com esta revelação. Afinal, já tinha encontrado o seu bem!
– Mas não se fie em sonhos, que dão com um homem em doido! – advertiu o outro.
O homem partiu, deixando o cabreiro entregue à sua felicidade.
O cabreiro pôs-se a caminho e, ao chegar ao Colmeal, fez tudo como o homem tinha descrito no seu sonho: esperou que amanhecesse para encontrar a cabrinha branca deitada em cima da laje, espantou a cabra e arredou a pedra, que estava coberta de orvalho; debaixo da pedra estava uma cabra e um cabrito feitos do mais fino oiro que o cabreiro alguma vez tinha visto! Estava rico!
Porém era lei que tudo o que fosse achado pelo criado fosse dividido com o patrão. E como o patrão era ganancioso. Mas o cabreiro não era nenhum tolo – afinal, tinha dado com o tesouro!
Lá foi o cabreiro falar com o patrão, para lhe dar notícia do seu achado:
– saiba Vossa Excelência que há uma nova cabra e um novo cabrito no curral, entre as suas cabras. Ora como é lei eu ter de dar-lhe metade dos meus achados, venho perguntar-lhe qual dos dois mais lhe apraz: se a cabra ou o cabrito?
– olha, rapaz: traz-me antes o cabrito que é tenro e sempre o posso comer; cabras demais já eu tenho.
No dia seguinte o cabreiro levou ao patrão o cabritinho de oiro. O amo, ao reconhecer a esperteza do criado, arrependeu-se mil vezes da escolha. Mas o criado tinha sido honesto e achou que o deveria recompensar.
– rapaz, louvo-te a ação; podias ter ficado com a cabra e o cabritinho, que nunca eu saberia onde os tinhas encontrado. Não só não o fizeste, como ainda me deste à escolha, para mal dos meus pecados. Como tal, decidi recompensar-te: vou dar-te um cavalo aparelhado com um arado. Tens permissão para lavrar dentro das minhas terras um pedaço para ti. Escolhe as que mais te agradarem, mas apenas te imponho uma condição: terás apenas um dia, desde o nascer até ao pôr do sol para o fazeres.
O cabreiro partiu, todo contente por ter assim sido premiado pela sua honestidade e humildade. Além de rico em oiro, agora teria umas terras suas – era um lavrador!
No dia seguinte, ao nascer do sol enterrou o arado na terra e começou a lavrar, sempre, sem parar nem ele nem o cavalo. Quando o sol se pôs, estava ele a terminar a sua arada, já junto à serra da Penha.
Ficou assim rico o cabreiro e tornou-se o senhor de todas aquelas terras. A bonança permitiu-lhe ter três filhas, que eram a luz dos seus olhos. Dividiu então o seu senhorio em quatro partes: Colmeal, a maior, era dele; Bizarrril era da filha mais velha; os Luzelos da do meio; e o Milheiro pertencia à mais nova.
Ainda hoje se pode ver, como símbolo da origem da riqueza deste senhor, a cabra e o cabrito, mais tarde adotados como brasão dos Cabrais, assim como o nome.
(recolhida em Castelo Rodrigo, em 2004. Informante: D. Aldora)