Este caso misterioso, com aspeto de lendário, foi escrito por Pinho Leal, no seu livro “Portugal Antigo e Moderno”.
Decorria o ano de 1676. Numa noite de Setembro, com o ar fresco a anunciar o fim do Verão, fortes pancadas na porta da casa do abade de Vilar de Amargo, acordaram-no em sobressalto. Estremunhado, ouviu alguém que lhe pedia para levar os últimos sacramentos a uma mulher moribunda.
Quando o sacerdote, de nome João de Barros e Brito, abriu a porta, deparou com dois homens armados que, ordenando-lhe silêncio, o levaram até à igreja. Chegando ao adro, o pobre viu-se rodeado por um grupo de cavaleiros, de cara tapada por espesso capote.
Mal tinha aberto a porta do templo, foi empurrado pelo grupo, entrando todos em roldão, fechando-a, de imediato, atrás de si. Então, ao abade surpreendido apresentaram uma senhora, de ar distinto, pedindo-lhe que a confessasse e desse a comunhão.
Dirigindo-se para o confessionário, seguido pela misteriosa dama, a cismar no estranho caso, o padre cumpriu a sua missão. Enquanto ouvia a desditosa senhora, notava que os cavaleiros abriam uma sepultura no lajedo da igreja. Sentindo-se impotente para impedir o crime que adivinhava, procurou demorar a confissão, na esperança de que aparecesse algum paroquiano e lhe possibilitasse salvar a senhora.
Os cavaleiros, vendo que o sacerdote se demorava, e adivinhando-lhe as intenções, ordenaram-lhe que se apressasse e terminasse a função. Ao aterrorizado padre não restou outra saída. Dirigiu-se para o sacrário e deu a comunhão à dama, que mal se podia mexer, tal era o medo que demonstrava.
Mal acabara de comungar, a infeliz senhora foi agarrada por um dos cavaleiros que a estrangulou. Os outros pegaram nela e depositaram-na na sepultura que tinham aberto. Impondo silêncio ao abade que, aterrorizado, assistia impotente a tão nefasto acontecimento, retiraram-se, embrenhando-se na escuridão da noite, desaparecendo num instante.
O sacerdote nunca mais teve sossego. Algum tempo depois, partiu para Roma, dando conhecimento ao Papa do ocorrido e da razão que levava a deixar a paróquia. Do exílio, mandou para Vilar de Amargo algumas relíquias de santo Eugénio e de santo Augusto, sendo recebidas com grande cerimónia no ano de 1678.
A porta da casa onde, segundo a tradição, viveu o abade é de traça manuelina, ladeada por um original brasão. Dizem que representa o sacerdote a encher um cálice com uma jarra.