Era uma vez um pobre sapateiro que tinha três filhas. Era costume as três meninas, órfãs de mãe, estarem sentadas na rua e, por serem muito prendadas, dedicavam o seu tempo livre à costura e aos lavores. Viviam nos domínios do senhor de Castelo Rodrigo, que era um belo senhor e andava à procura de noiva.

Certo dia, passando por ali o Senhor de Castelo Rodrigo, encontrou as três irmãs no lugar costumeiro. E estas, vendo-o ao longe e sabendo as suas intenções, começaram a evidenciar as suas qualidades:

– Ai, diz a mais velha, se casasse comigo fazia-lhe umas ceroulas como ele nunca usou!

E diz a do meio:

– Ai, se casasse comigo, fazia-lhe uma camisa como ele nunca gastou!

E diz finalmente a mais nova:

– pois se casasse comigo gerava-lhe no mesmo ventre  um filho e uma filha, ambos com uma estrela dourada na testa, para que todos conheçam bem a sua real origem.

O senhor ouviu estas predisposições e ficou cismado. No dia seguinte dirigiu-se a casa do sapateiro e pediu-lhe para ver as suas filhas. O pobre homem, temendo que estas tivessem ofendido o seu amo, correu a buscar as filhas, entre puxões e arrepelões, manifestando vivamente através de gestos e palavras que todas as ameaças seriam cumpridas caso tivessem feito ou dito alguma coisa que o embaraçasse.

Quando viu as três meninas, o nobre nem queria acreditar: qual delas a mais bela e recatada? Começou então por perguntar:

– qual de vós três disse que se casasse comigo me faria umas ceroulas como eu nunca usei?

Diz a mais velha:

– Fui eu, senhor.

– e qual de vós disse que me faria uma camisa como eu nunca tinha gasto?

E respondeu a do meio:

– fui eu senhor.

– então, qual foi a que disse que se casasse comigo geraria no mesmo ventre um filho e uma filha, com uma estrela dourada na testa?

– Foi esta louca que aqui está, senhor – responderam as duas irmãs.

– Pois é esta louca que eu escolho para casar comigo.

E assim foi. Os festejos duraram cinco dias e todo o povo estava em festa. Afinal, o senhor de castelo Rodrigo tinha escolhido muito bem, pois a nova senhora era muito bondosa para com todos.

Os tempos foram passando. A menina era muito feliz com o seu senhor. Moravam num grande palácio com as duas irmãs, que morriam de inveja da sorte que tinha tido a mais nova. Ao cabo de um ano esta entrou em trabalho de parto. As duas irmãs, maldosas, insistiram para que o seu cunhado fosse caçar, enquanto elas próprias se encarregariam de trazer ao mundo os seus filhos. Tudo para ficaram sós com a irmã mais nova…

E assim nasceram duas lindas crianças, um menino e uma menina, ambos com uma estrela dourada na testa. Cumpria assim a sua promessa.

As duas irmãs nem podiam acreditar! Tiraram os gémeos à mãe e substituíram-nos por dois cachorros, entregando as crianças a uma ama para que esta as matasse. Indicaram-lhe ainda que colocasse nas crianças uns gorros para esconder as estrelas que denunciavam a sua origem…

Mas a pobre mulher não teve coragem de matar as inocentes crianças. Colocou-as num cestinho de vime e deitou-as ao  Côa.

Quando o senhor de castelo Rodrigo chegou a casa, foi intercetado pelas duas invejosas irmãs que, mostrando-lhe os cachorros, lhe disseram:

–  Vede, senhor, com que filhos vos presenteia a vossa esposa!

O senhor, vendo os dois animais, não pode conter a sua fúria e ordenou que a sua mulher fosse enterrada da cintura para baixo, sem nunca poder sair. Ali estaria exposta ao desprezo de todos. Colocada num sítio ermo do palácio, aqui todos vinham cuspir na mulher pela afronta de ter parido dois cachorros em vez de duas crianças, como tinha prometido em troca do casamento.

Quanto aos meninos, forma descendo o rio e entraram no canal de um moinho, muito comuns nas águas do Côa. O moleiro, estranhando porque tinha parado a moagem, mandou a mulher ver o que se passava com a água, que não fazia rodar a mó. A mulher do moleiro, mulher bondosa, obedeceu e qual não foi o seu espanto quando encarou com os dois meninos, com os seus pequenos gorros!

Levou-os para casa e, apesar de já ter alguns filhos, criou-os com o amor de quem os tivesse trazido ao mundo.

Os anos passaram. Os meninos tinham já sete anos quando os seus irmãos de criação começaram a dizer o quanto se sentiam incomodados pela sua presença. E não hesitaram:

– Ide-vos embora, que esta não é a vossa casa.

O menino foi então ter com o moleiro e disse-lhe:

– meu pai, eu e a minha irmã vamos embora; os nossos irmãos estão fartos de nós e exigem a nossa partida.

O velho moleiro ficou muito triste, mas respeitou a decisão dos meninos. Em casa teria outras contas a acertar, com os seus filhos egoístas!

E assim partiram as duas crianças à procura de um lugar onde fossem felizes. Caminharam algumas léguas e encontraram no caminho uma velhinha:

– Onde ides, mal aventurados?, perguntou a velha.

Os dois meninos contaram então como tinham chegado, recém nascidos, ao moinho, como tinham vivido e amado por sete anos o moleiro e a sua família e contaram também a forma como tinham sido expulsos de casa do moleiro pelos seus irmãos de criação.

– tomais esta bolsa – disse a velha – que tem todo o dinheiro que precisais para comer e para viver. Mas atenção: não tireis mais do que um tostão de cada vez!

As crianças agradeceram muito à velhinha e continuaram o seu caminho. Tanto andaram que foram parar à terra da qual o seu pai era senhor.

Começaram a trabalhar modestamente e foram enriquecendo. Ao cabo de sete anos tinham já uma grande casa com tudo o que era bom.

Quando no povo se começou a falar da ventura destes irmãos, as duas irmãs invejosas souberam logo de quem se tratava e deram muita pancada à ama que não tinha sido capaz de cumprir a sua missão. Foram a casa das duas crianças, fingindo ir convidá-los para o aniversário do cunhado. Viram tudo quanto queriam, apreciaram a vida confortável que as crianças tinham alcançado e terminaram dizendo:

– Tendes uma casa muito bonita, mas falta aqui um passarinho alegre que a encha de emoções. Tendes que ir àquele jardim, além, e apanhar o passarinho que melhor cantar. Depois, não vos esqueceis de ir à festa do nosso cunhado.

As crianças, agora já com catorze anos, foram todas contentes ao jardim indicado, com a finalidade de apanhar o passarinho que melhor cantasse. Pelo caminho voltaram a encontrar a velhinha que sete anos antes lhes tinha dado a bolsa mágica.

– Onde ides, mal aventurados?, tornou a perguntar a velhinha.

– Vamos além, àquele jardim apanhar uma passarinho que lá está para que com o seu cantar alegre a nossa casa.

E todos contentes contaram à velha como tinham sido convidadas para o aniversário do senhor de todas aquelas terras.

A velha senhora explicou então:

– Ides então buscar o passarinho, mas trazei o mais triste que lá estiver. O senhor de todas estas terras é o senhor vosso pai e as duas mulheres que vos convidaram são vossas tias. Estas querem-vos grande mal. Quando fordes a casa do vosso pai, levai convosco o passarinho. Comei apenas daquilo que o passarinho comer, pois tudo o resto está envenenado para vos matar aos dois.  Está lá uma mulher, ao fundo do salão, enterrada da cintura para baixo. Essa mulher é a vossa mãe que, graças à maldade e à traição das vossas tias, está condenada a morrer como um cão. Tudo porque no dia em que vós nascestes, as vossas tias vos trocaram por dois cachorros e fizeram o vosso pai acreditar que era pai de dois cães.

Dir-vos-ão que cuspais nela, mas não o fareis, porque é a vossa mãe; e mesmo que digam que não tereis assento no banquete, não vos importeis. Fazei sempre o que está certo e a vossa bondade será recompensada.

Os meninos foram e tudo se passou como disse a velha: serviram cinco pratos de sopa finamente confecionados, com os mais frescos e saborosos ingredientes da região. Mas os meninos não comeram nenhum, porque o passarinho também não comeu. Finalmente trouxeram comida boa e os meninos comeram, porque o passarinho também comeu.

Levaram-nos para o fundo do salão e mostraram a pobre mulher, enterrada da cintura para baixo. Disseram-lhes que cuspissem nela, mas eles responderam que não o fariam.

– então o que lhe fareis?, perguntou o senhor de Castelo Rodrigo.

– damos-lhe estes dois pratos de sopa. Já que nós coubemos no seu ventre, certamente também estes pratos de sopa também lá caberão.

Nesse momento, as duas tias invejosas deram um grande grito e o pai reconheceu os filhos, que retiraram os gorros que os acompanhavam desde o dia em que nasceram, permitindo assim que todos vissem as estrelas que escondiam e denunciavam a sua real origem – como a mãe tinha profetizado no dia em que conheceu o pai…

A mãe foi retirada do suplício onde tinha passado catorze anos, exposta ao desprezo de todos, entre lágrimas e súplicas de perdão do marido.

Quanto às duas irmãs invejosas, forma condenadas a passar o resto dos seus dias da mesma forma que a irmã tinha passado catorze anos.

(recolhido em Castelo Rodrigo, em 2004. Informante: D. Aldora)