A vida árdua em Mata de Lobos, onde aliada à agrura do trabalho, se encontra o austero clima, inclemente no Inverno e escaldante no Verão, levou os Matenses a suspirarem por um paraíso ainda em vida. Não o encontrando, resolveram descobrir a melhor forma de subir até ao céu.

Não podiam deixar de trabalhar, pois não tinham outros rendimentos para além dos que angariavam com o suar do rosto. O intenso frio do Inverno só pode ser vencido com o reconfortante calor da lareira, mas continua a ser preciso arranjar lenha. Quanto ao Verão!… Só esperando pelo fim da tarde e sentar-se um pouco à fresca, nos poiais, mas durante o dia, há que enfrentar o calor na ceifa, na apanha do feijão, dos carrapatos, dos gravanços e das batatas.

Alguns, mais pessimistas, chegavam a pensar se compensava o gosto que o azeite punha nas deliciosas batatas com bacalhau, nos saborosos grelos, nas refrescantes saladas de meruge, em troca da canseira da apanha da azeitona. Durante dias a fio, enfrentar o sacrifício de levantar cedo; arrastar o corpo dorido, ainda de noite, por caminhos enlameados; ir para os olivais debaixo de neblina cerrada, com um frio de rachar que nem o contínuo movimento de varejar conseguia afastar; apanhar as teimosas azeitonas que caíam fora dos toldos, sentindo as pontas dos dedos enregelar ao contacto com o chão frio e húmido; carregar os sacos cheios, transportá-los, tornar a despejá-los para as limpar, voltar a enchê-los para as levar para o lagar!…

Sem sombra de dúvida que os Matenses andavam desanimados. Cada um pensava em descobrir a melhor maneira de resolver o problema que parecia insolúvel. Quanto mais pensavam nas coisas boas que, por vezes, tinham ao seu dispor, logo o triste pensamento do trabalho e sacrifício que tinham de enfrentar para a obter lhes fazia perder o entusiasmo e aumentar a infelicidade.

Ao beberem um copo do precioso néctar que as vinhas da freguesia produzem, ainda mal acabavam de se deliciar com o doce e revigorante líquido que lhes escorrera pelas gargantas, e já o pensamento das mil e uma preocupações que, ao longo do ano tiveram com a vinha lhes roubava o prazer que mal acabavam de usufruir. Eram os trabalhos da poda; as cavas; as enxofradelas por causa das doenças; o receio constante das geadas tardias; o medo das trovoadas; o olhar suplicante para o céu, à procura da chuva benfeitora que tardava em aparecer; o trabalho da vindima; a pisa no lagar; o transporte para as pipas!…

Assim decorriam os dias na freguesia, indecisos e desanimados, até que uma bela ocasião, surgiu alguém com uma ideia salvadora; fazer uma carambola de cestos que chegasse até ao céu!

Era mesmo de desesperar. Havendo tantos cestos na freguesia, como não se haviam lembrado disso antes? Muitas preocupações se poderiam ter já evitado.

Se melhor o pensaram, melhor o fizeram! Reuniram todos os cestos e começaram a pô-los uns em cima dos outros. Dias e dias de trabalho se iam consumindo na construção da alta carambola que se ia formando. Não se sentiam cansados. Para suprir de cestos que se fazia sentir, os cesteiros da terra e das freguesias vizinhas não tinham mãos a medir.

Num belo dia, depois de terem trabalhado durante várias semanas, sem parar, foi com grande angústia que verificaram que os cestos se tinham acabado e os cesteiros não podiam fazer mais, por falta de matéria-prima. Um enorme desespero invadiu os construtores da carambola e dos que se preparavam para começar a subir.

As nuvens, de há muito que tinham sido ultrapassadas pela altura da carambola. E azar dos azares, faltava apenas um para atingir a abóbada celeste e entrar no Paraíso. De certeza que fora mau-olhado de alguém de outra freguesia, mas o caso não ficava assim. Não podiam desistir, com o final tão desejado à vista de todos.

Perplexos, os Matenses que estavam junto da alta torre de cestos olharam à volta. Muitos tinham já desistido da ideia, preferindo continuar a trabalhar para terem algum consolo, do que esperar por um sonho que não havia meio de ser realizado. Mas aqueles não desistiam assim tão facilmente! Os outros haveriam de se arrepender. Trabalhar!

Foi então que um dos presentes, ao olhar angustiado para a inútil carambola que à sua frente se erguia até às alturas, encontrou a solução. Tão simples, afinal, e ali tão perto! Expondo a ideia aos colegas, foi com grande alegria e entusiasmo que acolheram a sugestão. Não hesitaram! Agora já poderiam começar a subir e atingir a meta desejada.

Rapidamente, retiraram o cesto que estava no fundo da carambola, para o porem no cimo, a ocupar o lugar daquele que os separava do Paraíso!

O resultado deste ato facilmente se pode adivinhar! Por este processo, os Matenses nunca chegarão ao céu… em vida.